Crónica de Jorge C Ferreira | Que vidas
Aventuras sem nome. Desertos e Oásis. Areias, dunas e tendas. Ser nómada. Partir, chegar, ver e regressar. Há sempre um ponto de partida que não esquecemos, que não se deixa esquecer, que é marca sempre presente. Uma espécie de Karma.
De onde somos, como somos, onde estamos? Somos os mesmos, mas vamos vivendo, pouco a pouco, a vida dos outros. Vamos sendo um pouco deles. Vamos partilhando com eles. Uma aprendizagem nem sempre fácil. Uma luta diária.
Navegações sem mar. Oceanos de gente perdida. A busca do raro. O fundo de uma vida que é quase mar. Um apreender a não sentir falta do adquirido. Ganhar coragem perante tamanhos desafios. Ser vela sem vento. Mastro quebrado. Barco que teimosamente se mantém à tona. Resistir sem saber como.
Saber ouvir os outros. Ser a atenção para com o próximo apesar de distante. É assim que vamos crescendo. É assim que nos vamos fazendo mais gente. É assim que vamos conhecendo mais vida. É assim que nos vamos fazendo conhecer.
Um escorpião que nos quer ferrar. As botas sempre calçadas. Uma roupa que nos protege. Uma mente que se quer preservar. Aprender a viver com o que nos é hostil. Quem vos disse qua a vida é uma fácil passagem? É breve, isso sim, embora por vezes pareça durar milénios. Apesar de tudo, caminhamos muito. Muita estrada passa por nós. Muita gente nos toca. Muitas vezes um toca e foge. Quase o jogo da nossa infância.
Quantas vezes nos apetece esconder do mundo? Quem nunca pensou em ser invisível? Estar só e pensar na solidão. Ter o poder de acordar para a vida, de novo, quando o determinarmos. Tempos difíceis. Tempos de que apetece fugir.
Encontrar as maravilhosas pessoas. Os seres luminosos. A nossa luz. Voltar a ter esperança num viver que apetece. Voltar a pensar no pouco que somos e na sorte que temos de viver alguns momentos belos. Acontecimentos que nos marcam para sempre. Acontecimentos, muitos deles vividos no meio de uma agitação sem nome. A festa interrompida por falsos preconceitos. As vontades a desaparecerem.
Sobreviver sem saber como. Os lençóis rasgados de raivas antigas. Sítios onde nunca voltamos. Lugares que já não devem existir. Lugares de uma outra vida. Um outro lugar. Um outro modo de viver. Assim vamos fazendo da vida uma luta de resistência. Connosco viajam todos os nossos amores. Amores tão antigos que já não têm cara nem corpo.
Voltar ao início de tudo. Jogar à barra do lenço. Ver as meninas do colégio a fazer rodas de girar, as mãos dadas. As freiras atentas, algumas mais atrevidas entram na roda. Uma roda que vai aumentando. O pátio do colégio é uma festa. Assim crescia o nosso entusiasmo, a nossa vontade de entrar na roda. Jogos de criança. Jogos de aprender. Jogos de desejar.
Voltemos à areia do Deserto. As enormes dunas desta vida. Um sobe e desce tramado. Quase um cair no vazio. Momentos sem corpo. Momentos de uma estranha leveza. Momentos que não parecem nossos. Um estranho sentimento de voar, até a realidade voltar. Até sermos nós de novo.
«Que coisa escreveste! Pareces andar a fugir de qualquer coisa.»
Fala de Isaurinda.
«Sabes que, por vezes, necessito de escrever estes textos, de fazer estes exercícios.»
Respondo.
«Sim. Mas não abuses. Não gosto muito dessas coisas.»
De novo Isaurinda e vai, um ar nervoso.
Jorge C Ferreira Outubro/2023(412)
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Tantas vidas que as nossas vidas acolheram. As nossas e as de quem connosco partilhou partes dessas vidas. As marcas que nos deixaram fazem parte de nós. Hoje não seriamos os mesmos sem os afectos que demos, que recebemos e sem aqueles que não tivemos quando deles precisámos.
Momentos de escuridão e momentos de Luz. A vida é feita de todos eles.
Que nunca nos falta a esperança. Que nunca se apaguem os sonhos.
Que a vida decorra com partilha de afectos e a ternura nunca nos falte.
Obrigada por mais uma crónica escrita com a sensibilidade de quem viveu tantas vidas e tão bem as sabe contar.
Obrigado Maria. Tão importante o que escreveste. A arte se saber de quantas vidas a vida é feita. A minha eterna gratidão por tudo o que aqui nos dás. Abraço grande
Excelente reflexão sobre a vida.
Quem somos? Tanta pgunta sem resposta.
Viagem que faz de nós quem somos. Pessoas, lugares, triunfos, derrotas fazem-nos crescer. As escolhas que determinam quem sou eu onde estou. As perdas que me dão força para continuar. As alegrias e as tristezas, a liberdade de ser eu.
Algumas vezes caminho sinuoso , que nos ensina a derrubar os obstáculos.
Nesta longa viagem, onde os sonhos se dissipam com arealidade, não havia lugar aos crimes hediondos a que assistimos diariamente. Uma guerra em directo. Imagens que doem.
A humanidade está doente.
O fim é trágico.
Obrigada Amigo, pela reflexão e escrita de excelência.
Grande abraço.
.
Obrigado Eulália. Em quantos mundos vivemos sem sair do mesmo lugar? Tão bom o que escreveu. Tão gratificante para quem se arrica a escrever. Quando o fim parece inevitável. Muito grato por estar aqui. Nunca perder a esperança. Abraço forte
“Muita estrada passa por nós”
Dizes muito bem, neste caminhar de encontros ou desencontros onde cada dia tentamos um respirar lógico e pacífico.
Momentos, onde o verbo reflectir queda-se hesitante nas interrogações de cada olhar cerebral.
Jogos onde cada vírgula , desafia o parágrafo do nosso criar, e a assimetria de concluir um pensamento, dita um hesitar constante … não vá o parágrafo julgar o inédito de um enredo preocupante.
Maravilhado fiquei com este traço do teu criar , onde uma hesitação, pode ser um quadrante correcto.
Dúvida tem Isaurinda ao trazer a lume o verbo abusar, desconhecendo a tua necessidade de interpretar as hipóteses dos teus Monólogos/Vida.
Excelente!!
Grande abraço, amigo que muito estimo e admiro!
Obrigado José luis, meu Amigo, Poeta. Que bom é ter aqui esses teus belos comentários. Somos, muitas vezes camnhantes do que passa por nós. A minha imensa gratidão pela tua atenção a estes meus escritos. Um abraço enorme.
Uma análise tão profunda, “á volta da vida.” Li e reli, excelente texto escrito de maneira primorosa, com uma realidade enorme. Nada a acrescentar, só ler com atenção e meditar. A vida é tudo isso.
A infância, sempre presente em nós. Uma fase de boas memórias. Saboreei com prazer, o que tão belo escreveu, meu escritor! Adorei, sempre grata.
Abraço enorme.
Obrigado Maria Luiza. Brilhante o qe escreveu. Saber e ter tempo para meditar. Saber escolher o caminho. Fico muito feliz com os seus comentários. A minha enorme gratidão. Abraço forte.
Os meus dias são de espanto, chego a perguntar a mim mesma onde está a razão e o coração da humanidade, será agora o momento que começa a destruição dos humanos pelos humanos com humanos enraivecidos pelo ódio, pelo desamor ao próximo, pela destruição chegando a vangloriar-se dos actos cometidos? Onde reside o coração, a humanização de cada cada que se presta a tamanhas atrocidades? O Holocausto continua em pleno século XXI, arrasar seres humanos inocentes, destruir-lhes os sonhos, destruir-lhes as palavras que melhor poderiam verbalizar que era amor, vida, beleza , esperança, igualdade… que geração perdurará nestas areias movediças em que o mundo se está a tornar, que mar, que águas se irão transformar em lodo ou terão cor de sangue? Que mundo, que desordem… Abraço imenso meu amigo.
Obrigado Cecília. Pensado, vivodo e escrito de um modo perfeito, este teu comentário. Todos pensamos como sobreviver a este mundo sem modos. Que é isto que estamos a viver? A minha imensa gratidão pela tua constante presença. Abraço grande
ser
na pele
no instinto
nas moradas sem janelas
nos instantes onde não cabem as palavras
nas lápides com nomes a dourado
nos silêncios de neblina
nas alegrias tão fundas
no lugar do outro
na dádiva.
ser.
um percurso com sabor a solidão, a um inverno de encontros,a veredas sem sóis,
a umas mãos sem outras mãos,
a tatuagens de sangue e vísceras.
ser.
nas cidades onde o amor atravessa pontes,
existem pomares carregados de. frutos. vermelhos, as hortas estão repousadas de legumes e crescem cereais nos campos de trigo.
abundância dá lugar a rostos felizes.
ser.
aguardando pelo caminhar dos dias,
por um bilhete de despedida,
pelas imagens dos berros e das aves que migram
pela fúria da terra e pelos pesadelos que nos povoam os sonhos.
as memórias que nos arrastam para longe..
ser
até quando?
como?
porquê eu?
se?
em breve?
vamos ficando por aqui. onde o mundo já foi imenso e agora se fecha entre quatro paredes.
vamos lendo livros, escrevendo, escutando as notícias, sofrendo por antecipação, não sabendo como lidar com o imprevisível amanhã.
será que somos, meu amigo ou isto é apenas o sonho vão, o Karma ou o darma
a predestinação ?
sempre que me trazes as tuas crónicas fico pensativa e perplexa é um exame de consciência.um depurativo.uma limpeza de alma . um reflexo dos tempos que vivemos .
vivemos?
sempre que me trazes as tuas crónicas fico indecisa entre a nostalgia e a sensibilidade.
opto pela segunda. tu tens esse dom.
ser o sol que me entrou. pela porta numa noite que ainda agora se inicia
grata.sempre.
Uma crónica de questionamento e introspecção- De si a partir do outro. Com indagações que não findam e sem resposta (Mesmo nas frases sem interrogação, ao dirigirem-se à mesmidade do ser inserido num mundo, por essência indefinível). Os sentimentos de ligação (e empatia) com os demais. Os lugares e as pessoas, como pano de fundo nas palavras que acompanham uma vida nómada literal e simbólica a tentar captar a infinitude de um universo, onde o mar é imagem e paradigma. O olhar, ambicioso, do infinito no finito. Missão utópica (próprio de seres conscientemente inquietos e abraçados à humanidade, comprometidos com um mundo único – e só neste se reconhecerem porque a ele pertencem).
A ambivalência e a ambiguidade, escondidamente presentes, espelham o contraditório de um indivíduo a oscilar entre o abstracto e o concreto na compreensão de si. Dos outros. Ambiciona um “circulo” de comunhão geral, mas a impossibilidade (necessidade interna também) na sua concretude condu-lo à assumpção da solidão. Estar só impõe-se face à realidade agreste, mortífera. A matar lentamente sentimentos e vidas. Dele. De muitos. Sublima a sua morte, arrastada pela de outros, no sonho. Na fantasia. Na memórias das raízes e das boas vivências. Dura pouco. A melancolia sobrepõe-se. Incógnito de si (bastardo do mundo) teme afundar-se. Perder-se no nada. Coisificar-se. Encontrar-se impõe-se. Retornar a ser e não somente estar. Em si. Na realidade. E mesmo sabendo das marcas ocorridas encontrar o sentido. Viver com elas e no seu significante agarrar a essência de si. Encontrar o caminho depois de se ter perdido. A bússola interior constituída por vários amores permiti-lo-á. Suprir as múltiplas dores e cicatrizar as feridas acreditando no seu fim. Será? “Ser quem fomos” mesmo com as experiências arrepiantes que vivemos, viveu, vive. Lutar e não desistir nas intempéries, mesmo nas tempestades anónimas, calmas ou violentas. “Resistir”. No e com o porto (pessoal, moral, cognitivo…). Um texto de resistência ética e estética.
Obrigado Mena. Que belo Poema aqui nos deixaste. É a tua voz. A tua maneira de estar. A alegria de te ler. Nem calculas como é gratificante ter aqui estes comentários. A minha imensa gratidão pelo que nos escreves. Nunca te canses. Abraço enorme
Obrigado Isabel. Que grande comentário. Sublime. Percorrer um mundo em decadência. Pensar os motivos em cada interrogação. Não encontrar justificação para a barbárie. É tão gratificante tê-la aqui neste espaço. A minha imensa gratidão. Abraço grande
Abençoada inspiração e beleza de escrita, ao estilo do Jorge C. Ferreira. A magia das palavras cheias de sentido e de sentimentos.
“Vamos vivendo, a pouco e pouco, a vida dos outros, vamos sendo um pouco deles, partilhando…”.
Amei, do princípio ao fim.
Grata.
Abraço
Obrigado Fernanda. Também eu adoro sempre a magia que coloca nos seus comentários. É muito bom que esteja e continue por aqui. É uma mais-valia para este espaço. A minha gratidão. Abraço grande
Sempre o lembrar de nós e dos outros…aprender a viver sem os que partiram e conosco próprios, sendo outros…
Não dá para fugir… só às vezes fingir que nada mudou, apesar da certeza que tudo muda dia a dia…ano após ano.
Que a guerra não nos faça indiferentes, nem nos cale a vontade de fugir sim, para onde haja paz e homens bons voltem a olhar e fazer o futuro melhor.
Abraço, meu amigo… pensador/poeta! Homem bom também.
Obrigado Tita. Que alegria tê-la neste nosso espaço. Quantas guerras já vivemos. Todaa mor motivos ignóbeis. A eterna estupidez de todas as guerras. A minha imensa gratidão. Abraço grande
Excelente crónica Amigo Poeta Jorge C Ferreira! Momentos únicos e que não parecem ser nossos! Vamos em frente e proteger-nos mutuamente!
Obrigado Claudina, minha Amiga. Temos de ser o ombro a ombro no caminho para destruir todas as guerras. Que bom ter aqui a tua companhia. A minha gratidão. Abraço muito forte